quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Caio Fernando Abreu

 17

Aceito a solidão que me impões.
Senhor, embora não a compreenda
nem a creia justa ou merecida.
Ainda assim, aceito essas manhãs sem gosto
em minha boca seca,
e também as noites sem ninguém
com seus sonhos de treva e medo.
O telefone calado, a campainha muda
ninguém pensa em mim pela cidade imensa.
Faço faxinas pela casa
e limpo meu corpo metodicamente
como se amanhã fosse outro dia
e não a continuação deste mesmo
de hoje, de ontem, e mais além.
Tenho pena de mim que habito
este país deserto
tenho pena de ter inventado tudo isso
como uma rede. E ainda assim aceito,
Senhor, saturnos, quadraturas,
sinais indecifráveis para meus olhos cansados
de tantos símbolos
Mas limpo a casa, faço a cama
compro rosas que espalho pelos cantos,
escrevo maus poemas, como este,
que me embalam distraído
das durezas que me impões a cada dia.
Submisso ou covarde, aceito, aceito.
Durmo sozinho sempre.
E amanhã, recomeço.
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Caio Fernando Abreu
09 de setembro de 1981
Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu

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