quarta-feira, 15 de maio de 2024

Donizete Galvão

 MAIO

o ipê
entregou
         suas folhas
ao vento

despido
        explodiu
        em cachos
                     púrpuras

sob a larga
                   copa
                   - abóbada de cores e galhos - 
um homem
encontra abrigo
           nesse manto de roxo e azul

por um instante
                    - olhos voltados para o alto -
estar vivo
         não lhe traz nenhum sobressalto
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Donizete Galvão
O antipássaro


quarta-feira, 8 de maio de 2024

Fernando Moreira Salles

 PASSARINHANDO

Sempre me quis
      piamente
passarinho
irmão de pena
que leva o vento
debaixo do braço.
Sonhar alto
a cada instante
reter do voo
o gesto claro
- o meu trajeto.
E mais ao longe
     lá
o fresco ar
que é só espaço
pro meu desenho

Pois é, passarinho
para com isso
até eu sei
que isso passa
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Fernando Moreira Salles
Ser longe

quarta-feira, 1 de maio de 2024

João Cabral de Melo Neto

DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO 

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.
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João Cabral de Melo Neto
Poema inédito publicado pelo IMS