quarta-feira, 26 de abril de 2023

Maria Esther Maciel

na hora do mundo

A chuva traz a solidão sem nome 
deste agora. Longe, aqui, o terror e 
suas sombras sobre a terra insone: 
notícias do medo, zonas de escuro, 
fome, desespero.

O anjo das palavras se esconde no
silêncio desta tarde que se estende 
para além da sala. A sirene já não 
toca, a tv também se cala e nada 
mais (de novo?) acontece, além da 
água.
______

Maria Esther Maciel
Longe, aqui

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Beatriz Rocha

 A MULHER GRANDE

Antes meu quarto parecia grande:
sem móveis, sem nada
piso demais, gente de menos

Mas não digo serem os livros
abarrotados ao canto
que agora o façam parecer pequeno

Sou eu
Eu agora cresço
As mãos e braços e pernas
parecem tomar todo o espaço
qualquer espaço

O tronco, o peito parece que brotam 
Crescem feito uma planta que depois de longa
              [ seca recebe água pela primeira vez

Cresço, com os braços e pernas e peitos
não cabendo em lugar algum
fazendo tudo parecer pequeno
fazendo-me sentir Alice
crescendo-crescendo-crescendo dentro da
casinha do Coelho

Meu quarto agora não é menor nem maior
Arquitetos e engenheiros do mundo inteiro
             [jurariam que a metragem é a mesma

São meus braços e pernas e seios e tronco
e nariz e joelhos e até
as pontas dos dedinhos dos pés
que crescem 
que brotam
que são bambus - cultivando
querendo devorar o mundo

Nasço,
Finalmente,
Nasço. 
_______

Beatriz Rocha
A mulher grande

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Carina Sedevich

Entre os galhos um bem-te-vi canta.
Quando era pequena me afligia.
Voltarei a ser infértil, pura, magra.
Voltarei a deixar crescer o meu cabelo.
Esquecerei meu sexo como deixo
esquecer a trama dos contos.
Penso na pena dos pássaros
como se pensa numa tatuagem velha.
*
Atravesso o parque.
As caturritas
calam o cochilo com seu riso
verde.
*
Só há nuvens no céu.
Meu filho está triste por amor.
E longe.
*
Ciprestes secos.
Se eu pudesse emprestar meu coração,
neste transe,
filho.
______
Carina Sedevich
Bola de Feno






quarta-feira, 5 de abril de 2023

Paula Tavares

 SOMBRAS

Tristezas os olhos
que não têm o brilho de contar
estão riscados de sombras
como se o rasto dos caminhos
o longe da viagem
fosse, neles, deixando pistas.

Tristezas os olhos
de onde me olhas
detrás de um tempo passado,
o tempo das promessas antigas.

Teus olhos, amado,
são os olhos de alguém
que já morreu 
e ainda não sabe.
______

Paula Tavares 
Amargos como os frutos