BATISMO
Chega de maneira discreta, falando baixo. Diz que marcou hora. Assim que a recepcionista permite seu ingresso, cruza o salão até onde estou à sua espera. Toda semana ela vem.
Acomoda-se no lavatório deitando a cabeça em minha direção, como se batismo fosse. E eu resgatando das profundezas aqueles fios em brasa, um arrebol em minhas mãos. Distribuo os raios de sol adormecidos na cuba e começo a lavar os seus cabelos nesse acolhimento.
Então, com os olhos cerrados, ela chora. Após certo tempo, sempre chora. Não me ocorre perguntar se dói, se é solidão ou se é coisa não sabida. Mas eu procuro o pranto entre os seus fios, vasculho no couro cabeludo, fazendo da busca carinho. A água morna escoa enquanto ela entrega a sua cabeça como oferenda. Me demoro nesta mansidão. Enxugo e desembaraço os seus cabelos com o cuidado que se deve dedicar aos que sentem demais.
Aos poucos, ela volta a superfície das suas profundezas e me encara. Prevenida que sou, escapa de cair na cova aberta de seu sorriso. "Hoje é a tua vez", ela me diz, e me rendo ao ritual. Eu que tenho os cabelos lavados agora. Aqui debaixo vejo uma aurora e suas estrelas faciais. Agora sou eu que choro e não sei se é de dor, solidão ou de coisa não sabida. Mas sei que acabo de ser salva pelo despenhadeiro de seu afago.
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Priscila Pasko
Como se mata uma ilha
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