Salgado Maranhão

AUTORRETRATO

passei a infância 
correndo atrás do sol,
pés descalços pelos matagais
por entre cascavéis e beija-flores.
cedo aprendi o milagre
das sementes: minha mãe 
abria a terra
e eu semeava os milharais,
os campos de arroz e as colheitas. 

- vim crescendo com a sarça hostil
sob a memória de crânios 
sem nome.

quanto à poesia,
foi se alojando aos poucos
nos latifúndios do coração,
e se tenho as mãos 
especializadas na confeitaria 
das palavras,
vem da herança natural do ofício 
de criar e engravidar as plantas

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Salgado Maranhão

A cor da palavra

Lêdo Ivo

O QUE DIZ UM POEMA

Um poema sempre diz nada
e também sempre diz tudo
como a voz de um falastrão
dentro da boca de um mudo.

Um poema não tem sentido
por ser tudo e por ser nada
como o clarão pressentido
na bruma da madrugada.

Um poema diz o que cala
ou fica nas entrelinhas
uma espada sem bainha
escondida numa mala.

Um poema é uma máscara
da face sempre escondida
que projeta nos espelhos
a prova de seu disfarce.

Um poema fala da morte
e do inferno desta vida.
Sempre haverá de sangrar
a nossa eterna ferida.

Sobre a imensidão marinha
entre peixes e corais
o poema é como um navio
que jamais regressa ao cais.
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Lêdo Ivo 

Mormaço

Franck Santos

BREVE ENSAIO SOBRE ABRIGOS

As casas se expandem de uma estação para outra.
No silêncio das noites
Ouço as paredes, o telhado, os sons que da casa emanam
Num colóquio entre si.
Somos com o passar do tempo
Também um pouco do bairro que vivemos?
A rotina do vizinho também é catalogada 
No ranger de um portão pela manhã
No cheiro de um bolo assando que atravessa os muros?
As casas conversam umas com as outras?
Que na rua antes era um terreno rochoso
O bairro uma zona montanhosa
Uma cidade mesopotâmica
Um isolamento geográfico de uma ilha?
Gosto de pensar na ideia de um lugar fixo no espaço
Onde os primeiros humanos criaram um templo para dedicar 
a arte de habitar.
Enquanto os ipês se incendeiam de beleza lá fora.

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Franck Santos

prefiro regar as plantas

Katarine Araújo

A chuva não se importa
Se você não contava com ela

A cidade nem percebe
Do desejo que certas ausências
Causam no teu peito

Não interessa ao mar
Se você não o poderá contemplar essa semana
As vestes brancas das ondas seguirão seu bailar

O rio vai continuar escorrendo
A lua irá nascer e morrer treze vezes seguidas
Mesmo que você não pare para despertar

Você acha que o tempo te engole
Você é quem anda devorando o tempo

Saiba que o sol não vai espremer seu brilho
Para caber na tua tela nem sua grandeza
Para caber nas tuas horas

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Katarine Araújo

O sol não vai espremer sua grandeza para caber nas tuas horas