quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Cláudia R. Sampaio

Às vezes entristece-me esta cama cheia de espaço
Isto de não servir a ninguém
Penso: mas que medida tenho eu
que nunca sou roupa para os outros

Diria que não é culpa minha
Sei que faço a vida como as outras pessoas
perdida no horizonte de um entardecer canalha
vindo para casa sorrindo aos vizinhos
com um saco de fruta na mão

Penso: todos vêem que fui às compras,
que tenho o ar leve de quem parou no café
espalhando perfume
dizendo o que está certo sobre este dia
sendo a mulher exacta do que é ser mulher
servindo o balcão a todo o comprimento
(e tudo pode mudar depois de uma bica)

Como é bom saber que por aqui todos estão vivos
ignorando a minha dificuldade em escolher maçãs

Entrego-me ao destino,
há muito que não conto contigo
E olho a fruta que não como,
pernas nuas e mão no sexo

A culpa é tua se dizes sempre o mesmo nome
se tens sempre a mesma idade
e a mesma casa
se quando revelas a tua identidade
é impossível que o céu te expluda
e que te acudas de incertezas
e de novos buracos.
A culpa é tua se ainda não morreste,
se nunca te atrincheiraste à espera
de uma bomba que te mude os olhos
se nasces sempre no mesmo dia. 

Não te aflijas.
Estás sempre tempo de não
dormir na mesma posição
com a mão aberta em esmola

Também me custa sobreviver a estes dias
mas o que ainda não chegou
é infinito. 
______

Cláudia R. Sampaio
Inteira Como um Coice do Universo



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